Márcia Antonelli foi uma das 28 pessoas que realizaram a retificação de nome e gênero pela Sejusc em 2024

FOTO: Lincoln Ferreira/Sejusc

Quem frequenta os espaços culturais do Centro Histórico de Manaus provavelmente já se esbarrou com Márcia Antonelli – a Márcia Transcritora. Mulher trans e escritora independente, ela foi uma das 28 pessoas que realizaram a retificação de nome e gênero no registro de nascimento, em 2024, por meio dos mutirões de documentação promovidos pela Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc).

No Dia da Visibilidade Trans, comemorado nesta quarta-feira (29/01), Márcia afirma estar “livre, leve e solta” e celebra a oportunidade de viver daquilo que ama: a literatura. Com sete obras publicadas, incluindo a mais recente, “Rasgada ao Meio”, a autora se diz pronta para os desafios. “Estou vivendo da escrita, da literatura. É isso que me move a continuar existindo, a continuar lutando”, completou Márcia.

Muito mais que textos e palavras, é na literatura que a escritora expõe as suas angústias. “É nela que exponho as minhas inquietações e as minhas indignações diante de tudo aquilo que se presentifica diante da gente. A literatura, para mim, é uma válvula de escape, é uma ferramenta de luta contra todas essas mazelas sociais que a gente, infelizmente, tem que enfrentar”, destacou.

No entanto, quem vê Márcia, atualmente, não imagina as dificuldades que a autora precisou superar para, finalmente, ser quem é. Inclusive, em determinado momento da vida, precisou, por medo, destransicionar. “Já estava dentro de mim, evidentemente, esse embate da homossexualidade. Mas tive que esconder por muito tempo e, quando realmente decidi, já veio a Márcia”, acrescentou a escritora de “Rasgada ao Meio”.

Márcia nasceu em uma família tradicional, onde a religião – parte católica, parte evangélica -, fez-se presente por muitos anos da sua vida. Por conta disso, foi somente após cortar relações parentais que ela conseguiu se assumir mulher trans. Entretanto, é com carinho que fala da mãe, já falecida, pessoa que a autora considera responsável por apresentá-la à leitura.

FOTO: Lincoln Ferreira/Sejusc

“Sempre tive essa inclinação para a escrita e a leitura, graças à minha mãe, e sempre faço questão de falar isso. Minha mãe foi uma grande incentivadora, desde pequena. Ela sempre comprava livros para mim, parava para ouvir os meus ‘delírios’, os meus escritos, guardava tudo o que eu escrevia e comprou para mim a minha primeira máquina de escrever, que eu lembro perfeitamente: uma Olivetti”, recorda-se Márcia.

Transição

Apesar dos obstáculos, a escritora considera a sua transição recente. A retificação do nome e gênero no registro de nascimento, por exemplo, deu-se somente no ano passado. Ela chegou ao serviço da Sejusc por meio de uma conversa despretensiosa em uma mesa de bar, no Centro de Manaus. “Fui em um dos mutirões de Cidadania e foi tudo muito rápido, fui muito bem atendida. Agora, estou em busca de tirar minha nova Carteira Nacional de Identidade”, revelou Márcia.

Mesmo com os avanços para as pessoas trans, o Brasil segue sendo, segundo boletim da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o país que mais mata essa população – segundo dados, foram 122 mortes registradas em 2024. Em razão disso, de acordo com Márcia, a luta não deve parar.

“Nossa grande luta é ter o espaço de voz, de fala. Respeito por nossas ações, escolhas e por nossas orientações. (…) Sou Márcia Antonelli, tenho que ir para a luta de frente, tenho que me reafirmar enquanto mulher trans. A luta é continuar atuando e não recuar nunca, sempre seguir em frente. Mudar de corpo, mudar de pensamento, tudo é uma luta”, finalizou.

FOTO: Lincoln Ferreira/Sejusc

Retificação

Na Sejusc, a retificação de nome e gênero no registro de nascimento é viabilizada pelo trabalho conjunto das secretarias executivas de Cidadania (Secid) e Direitos Humanos (SEDH); e da Gerência de Diversidade e Gênero (GDG).

Para requisitar a alteração, o solicitante deve dispor da: certidão de nascimento ou casamento atualizada; cópia de RG/CIN, passaporte ou carteira de identidade social; CPF; título de eleitor; comprovante de residência; e das certidões de distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal), de distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal), execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal), dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos, da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos, da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos e da Justiça Militar, se for o caso. O serviço é disponibilizado nos PACs.

“A Sejusc oferece a emissão da declaração de hipossuficiência para a população LGBTQIAPN+ em seus espaços de Pronto Atendimento ao Cidadão. Essa declaração garante a isenção da taxa para a emissão de uma nova certidão de nascimento atualizada, desde que a pessoa seja natural do município de Manaus”, lembrou o gerente de Diversidade e Gênero da Sejusc, Paulo Rogério.

FOTO: Lincoln Ferreira/Sejusc

Para quem nasceu em municípios do interior do estado, a pasta mantém uma parceria com o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), por meio da Casa da Cidadania. Nesse espaço, é possível obter a declaração de hipossuficiência e solicitar gratuitamente a nova certidão de nascimento atualizada, permitindo que a pessoa dê entrada no processo de retificação de nome e gênero.

“A Gerência de Diversidade e Gênero, vinculada à SEDH, viabiliza e acompanha esses atendimentos junto à Secid, assegurando que o serviço seja prestado de forma acessível, inclusiva e respeitosa à diversidade”, completou o gerente da GDG.

A emissão da nova certidão de nascimento costuma levar de 7 a 15 dias úteis, dependendo do cartório responsável e da localidade onde foi registrado o nascimento. Esse prazo pode variar se houver grande demanda ou necessidade de correções documentais.

“Depois de emitida, a certidão deve ser apresentada ao cartório para dar início ao processo de retificação de prenome e gênero, que pode levar de 30 a 60 dias, caso feito de forma administrativa”, reforçou Paulo Rogério.