Durante os meses que sucederam a suspensão das aulas presenciais, o professor Rodrigo Bonifácio de Souza Pavani se utilizou, principalmente, das ferramentas Zoom e Meet, para realização de videoconferências – FOTOS: Lincoln Ferreira/Seduc-AM

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) teve impactos severos em diversas esferas do dia a dia – e a Educação não ficou de fora. Salas de aula cheias, hora do recreio e demais atividades que compunham a rotina escolar deixaram de existir, temporariamente, com a suspensão das aulas presenciais da rede pública estadual em março deste ano. A decisão, uma das inúmeras de combate à doença, desenhou uma nova realidade para milhares de professores do Amazonas, profissão homenageada, nacionalmente, nesta quinta-feira (15/10).

Aliados às transmissões do projeto “Aula em Casa”, os educadores tiveram de se reinventar para garantir um bom ano letivo a seus alunos. As ferramentas digitais, por exemplo, deixaram de ser vistas com maus olhos e passaram a desempenhar papel fundamental nas atividades remotas. Rodrigo Bonifácio de Souza Pavani, de 30 anos, foi um dos professores que se rendeu às vantagens do universo virtual.

Ele, que leciona Sociologia nas escolas estaduais Ângelo Ramazzotti e Adelaide Tavares de Macêdo, afirma que o uso das ferramentas digitais com finalidade educacional é algo relativamente novo. “A metodologia de ensino híbrido mediado por tecnologia da informação impõe novos desafios, tanto para professores como para alunos. As tecnologias digitais possuem uma gramática estranha aos métodos tradicionais baseados na concepção do professor como único ilustrado ou detentor de um conhecimento singular. Percebo que muitos professores ainda são influenciados por modelos avaliativos fechados e focados unicamente no conteúdo”, disse Rodrigo.

Para o educador, o primeiro desafio desse novo momento foi romper com certas concepções metodológicas baseadas na escola tradicional. O processo, no entanto, resultou em diálogos mais “acalorados” com seus colegas de profissão. “Muitos professores, felizmente, conseguiram entender que utilizar tecnologias significa ir além do uso de um datashow. Vencido esse primeiro embate, passamos para as adequações metodológicas. Foi difícil explicar para alguns que o ambiente virtual possui uma natureza diversa do mundo físico. A Internet desbloqueia várias possibilidades de relações sociais, pois sua estrutura de funcionamento é líquida e mais semelhante com uma rede de pescador, na qual um link se conecta com outro, criando uma interface complexa. Inicialmente, muitos queriam traduzir uma escola física para as plataformas virtuais”, pontuou.

Assim como a Internet apresentou novas possibilidades para os professores e estudantes da rede, ela trouxe, também, novas responsabilidades, como compromisso e protagonismo político no processo de ensino-aprendizagem, defende Rodrigo. “Os alunos estão muito familiarizados com as redes sociais, porém, quase nunca utilizaram essas ferramentas com uma intenção pedagógica e educacional. Percebemos que muitos nunca tinham aberto um arquivo PDF em seus celulares, por exemplo, pois não possuíam um aplicativo de leitor. Alguns demonstravam dificuldade em anexar um arquivo DOCX ou PDF no WhatsApp e vários ainda não possuíam uma conta de e-mail funcional, com acesso diário. As dificuldades com as plataformas virtuais não eram preocupações somente dos professores”, revelou.

Durante os meses que sucederam a suspensão das aulas presenciais, o educador se utilizou, principalmente, das ferramentas Zoom e Meet, para realização de videoconferências. “Dei aula para uma audiência de 100 alunos. Assustador! Mas divertido. O WhatsApp é o queridinho de todos. Como controlar as figurinhas e os memes? Se não pode vencê-los, junte-se a eles. Planeje um trabalho sobre representações sociais e produção de novas narrativas. Foi isso que eu fiz. O Google ClassRoom foi o ambiente virtual para recebimento e entrega de atividades”, indicou.

Acesso à Internet – O regime especial de aulas não presenciais da Secretaria de Educação foi marcado por muito debate, principalmente no que diz respeito à democratização e ao acesso à Internet. O obstáculo exigiu um esforço coletivo da equipe docente da rede, que não se eximiu em traçar estratégias para que todos os estudantes tivessem acesso a uma educação de qualidade, durante a pandemia.

“Fizemos uma divulgação diária e semanal da programação das aulas remotas transmitidas pela televisão aberta. Também utilizamos vídeos enviados pelo WhatsApp para aqueles que possuíam apenas dados dedicados. Com o retorno às aulas presenciais no modelo híbrido, o Guia de Estudos do Amazonas, elaborado pela Secretaria de Educação, auxiliou no processo de revisão e repriorização curricular”, acrescentou Rodrigo.

Professora na Escola Estadual (EE) Professor Samuel Benchimol, onde leciona Língua Portuguesa e Matemática a estudantes do Ensino Fundamental 1, Luciana Batista Pedroso, junto com outros colegas, providenciou materiais impressos com os conteúdos transmitidos pelo “Aula em Casa”. “Marcávamos um dia para entregá-los na própria escola. Os pais iam, buscava-os e, depois, devolviam para correção”, completou Luciana.

Fora isso, ela confeccionou alguns jogos pedagógicos utilizando materiais reaproveitáveis. Os itens foram destinados especificamente a um dos seus estudantes. “Tenho um aluno autista, cuja mãe me procurou e disse que o filho não conseguiria acompanhar as transmissões do ‘Aula em Casa’. Então, preparei esses jogos para que ele não saísse prejudicado”, frisou.

Música – Professora há 24 anos, Luciana é conhecida por suas aulas divertidas e dinâmicas. Em muitas delas, a educadora se utiliza da música para transmitir os conteúdos aos estudantes. Com a suspensão das atividades presenciais, ela também teve de se renovar, mas sem deixar de lado a sua criatividade – e os dotes vocais. “A música é um recurso que sempre gostei de utilizar em sala de aula. Então, procurei ver a melhor maneira de passar minhas atividades sem deixar de lado o violão e as canções”, destacou.

Uma das ferramentas adotadas pela professora foi o YouTube. Nele, Luciana criou um canal onde costumava subir algumas videoaulas. Desta forma, sempre que o aluno precisasse revisar algum conteúdo, ele estaria, ali, a um clique de distância. “Foi muito desafiador. Muitas vezes, planejando as aulas, fiz pesquisas de como deveria gravá-las, quais conteúdos priorizar e de que maneira poderia torná-las mais convidativas”, explicou a educadora.

“Muita gente acha que é fácil, só gravar e pronto, mas não é. Temos que lidar com inúmeros obstáculos. O barulho externo atrapalha, tira a concentração, e qualquer erro faz com que você recomece, caso não domine edição de vídeo. Foi um momento de superação, sem dúvidas”, complementou Luciana.

Junto ao YouTube, ela também teve o WhatsApp como grande aliado durante a suspensão das aulas presenciais. “Montamos alguns grupos no aplicativo, por onde trocávamos informações e mandávamos atividades e links do ‘Aula em Casa’. Os pais nos davam retorno, enviando fotos dos filhos fazendo os trabalhos ou acompanhando as videoaulas”, concluiu.

Futuro – Mesmo com a retomada das atividades presenciais e o eventual fim da pandemia, Rodrigo acredita que o uso das ferramentas digitais deve ser ampliado entre os docentes: “Elas vieram para ficar, seja no aprimoramento de metodologias ativas com suporte tecnológico ou na elaboração de novas plataformas e a própria redefinição de um designer criativo, que resulte em novas formas de trabalho colaborativo”.

Assim como ele, Luciana aposta que, cada vez mais, a tecnologia ganhará destaque na vivência educacional. “Nós precisamos ter um novo olhar sobre a nossa prática. As ferramentas digitais devem ser aliadas nesse processo do novo normal. Precisamos buscar capacitação e formação na área, para ajudar a deixar nossas aulas mais atraentes, dinâmicas e lúdicas”, finalizou.